sábado, 25 de setembro de 2010

Uma visão sobre...Paixões e Realidades

Não é frequente que eu me encontre a discutir automóveis fora de um grupo muito restrito de amigos, ou seja, aqueles que, como eu, têm um conjunto de convicções muito fortes sobre o assunto e, consequentemente, passam ao lado de qualquer questão financeira que possa surgir no decorrer de uma conversa onde se tratam os “milhões” pelo primeiro nome com toda a familiaridade e à vontade que envolveria uma discussão sobre a conta do café daquele dia.
Assim, é com uma enorme desconfiança e um grande desentendimento que tendo a reagir quando alguém levanta resistência à temática e lhe aplica todas as questões de “mundo real”. Foi o caso de há poucos dias atrás, quando no decorrer de uma das longas conversas que faço questão de manter com uma das pessoas mais especiais da minha vida, o tema “carros” vem à baila e se inicia o que, ao início, foi um diálogo animado onde me senti extremamente realizado por estar a partilhar uma das minhas grandes paixões, melhor ainda por ser com alguém que está fora dos “suspeitos do costume”.
E assim se passou algum tempo, trocaram-se ideias, e acabámos por chegar à questão dos clássicos, numa conversa que passou pelo absoluto sacrilégio de chamar “feio” a um Mustang 429, mas que já estava bem animada quando eu sugeri a essa mesma pessoa que um Mercedes 190 SL de 50 e…(algo) seria a “sua cara” e que ficava muito bem em qualquer passeio domingueiro pela marginal, já que estes automóveis antigos têm muito mais presença do que qualquer coisa moderna que lhes possa parar ao lado num dos semáforos entre Oeiras e Estoril. Com um preço na casa 50/60 mil euros, este exemplar já foi considerado como caro pela sua hipotética futura dona, mas quando caiu “o Carmo e a Trindade” (sempre gostei de utilizar a expressão, embora nunca me tenha dado ao trabalho de pesquisar sobre a sua origem…) foi depois de anunciar, (entusiasmadamente devo acrescentar), que alguma alma caridosa colocara um Aston Martin DBS à venda no site stand virtual (site onde eu passo muito do meu tempo livre a compor uma dream garage digna de fazer inveja ao Jay Leno).
Ora, um DBS é algo que cai pela casa dos 300 mil euros, soma que me flui da língua com a naturalidade já em cima explicitada, porque para um entusiasta, qualquer entusiasta, seja de automóveis ou qualquer outra coisa, os valores monetários de um artigo são com toda a simplicidade, irrelevantes. Agora, o que foi deveras interessante, foi tentar passar esta ideia a alguém que não se identifica de todo com essa mesma forma de pensamento, porque por mais que pudesse afirmar que não seria de facto um objectivo presente na minha vida hoje em dia adquirir uma daquelas obras e arte de quatro rodas, isso não quereria dizer que, quem sabe, daqui a uma década não tivesse possibilidades para tal e é claro, não hesitaria. O que nos trouxe a um novo problema e que levou a muito prontas afirmações sobre nem sequer ter contacto uma pessoa que “andasse com uma coisa daquelas” porque era certamente alguém que apreciava mais artigos de luxo que as apelidadas “simplicidades” da vida (que são o que de facto vale a pena). E foi neste ponto que eu consegui entender, finalmente, que uma determinada perspectiva dita toda uma série de ideias pré concebidas que são injusta para quem tenha verdadeira paixão. Passo a exemplificar: pegando de novo no caso do DBS, é claro que existirá por aí um número generoso de criaturas que vão conduzir algo desse tipo como um acessório de moda, algo que pode ser atirado à cara de outras pessoas. No entanto, há que entender que existe o completo reverso da medalha, pessoas que ao terem a felicidade de adquirir algo do género, seria para pura felicidade pessoal, uma apreciação de arte pela arte….é claro que no caso da conversa a que aqui me refiro, esta explicação não teve qualquer efeito porque o que se destacou acima de tudo na ideia da outra pessoa, foi o aspecto monetário que automaticamente se traduzia numa desmedida ambição financeira e que, por último, culminava não já também referida falta de apreciação pelas coisas importantes da vida.
Demorou-me bastante tempo a compreender a discussão e mais importante a tentar entender o porquê da reacção dessa pessoa não ser igual à dos meus “amigos de conversa”, que se apresentam num contexto onde quando se faz uma referência desta natureza: “eu prefiro o DBS”, é logo seguida de algo como: “é bom, mas a comprar, compro o Gran Turismo S” por parte de outro dos intervenientes. É essa simplicidade que não passa pela ganância, que faz qualquer uma dessas conversas a mais divertida da semana.
O que aprendi então com a experiência? Aprendi que embora para pessoas “como eu”, qualquer automóvel de qualquer valor tem lugar na realidade e a realidade pode vir a ser aplicada a qualquer automóvel de qualquer valor, no entanto, esta teoria apresentada a alguém que está de fora desta paixão, resume-se à expressão de uma ambição por símbolos de status, ambição utópica refira-se, porque numa altura em que palavras como “chasso” já voavam com força de coisa atirada por fisga e enchiam de buracos o anteriormente bem recebido 190 SL, eu assumir que vir a ter algo de 300 mil euros parado á porta de casa poderia ser concebível em algum ponto da minha vida (porque afinal, não sou vidente e não sei como será o dia de amanhã), valeu-me prontamente o rótulo de “ridículo”.
Quem leia esta (crónica, suponho), para a estar de facto a ler em primeiro lugar, compreende a situação e certamente já terá passado por alguma semelhante, quando alguém, algures terá apelado ao “sonhar baixinho”, se não se lá chegar, não se desilude…mas afinal, a vida não é suposto ser a procura da felicidade? E se algo que nos faça feliz for caro, inacessível no momento presente, devemos colocar os nosso gostos para trás de nós e simplesmente assumir que nunca acontecerá? Eu digo que não, se algum dia tiver as possibilidades para tal, sem dúvida que vou procurar o que quero, se a hipótese nunca se apresentar, fica-me a satisfação de ter perseguido uma paixão, sendo claro que não é por isso que vá amar mais objectos inanimados do que as pessoas, obviamente que não, pois para tudo há espaço, tempo e lugar, basta querer.

Ficam então as sugestões para quem não se prenda (nem hipoteticamente nem realmente) com questões financeiras.
http://www.standvirtual.com/carros/Mercedes-Benz/190/P1988219/
http://www.standvirtual.com/carros/Aston-Martin/DB/P2425898/

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