quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Uma visão sobre...3 ícones do luxo da década de 70 - Aston Martin Lagonda, Maserati Quattroporte III e Monteverdi 375/4

A década de 70 do século XX nem sempre foi benéfica para o mundo dos automóveis, aliás, a fatídica crise do petróleo levou à decadência dos grandes carros americanos, condenando à mediocridade modelos fabulosos do passado como o Mustang e o Thunderbird. No entanto os anos 70 gozaram de uma particularidade que creio ser singular na história dos automóveis: o facto de uma grande porção do estilo idealizado neste período ser absolutamente grandioso, para o melhor e para o pior, já que até em relação às falhas de concepção, quando estas decorriam, faziam-no de um modo espetacular! Passaram a existir vários automóveis que falharam miseravelmente no seu intuito de serem grandes máquinas repletas de inovação, mas que conservam até hoje um estatuto e um encanto tão absolutamente singulares, que muitas companhias ganham actualmente a vida a resolverem os problemas de modelos quase catastróficos a quando da sua apresentação ao público, mas que após algumas mudanças de material, se tornam em clássicos extremamente respeitáveis. Por exemplo, o Jaguar XJS quando foi posto em produção em 1975 era um desastre de magnitude tal que mesmo com uma série de resoluções implementadas pela Jaguar ao longo dos anos, até hoje a reputação do XJS como mau carro não desapareceu; No entanto, actualmente uma empresa chamada Knowles-Wilkins Engineering remou contra a maré de má fama deste Jaguar e reconheceu o seu potencial, reparando todas as questões que atormentaram o pobre XJS ao longo dos anos, tornando-o no desportivo íntegro e fiável que deveria ter sido desde o início. O próprio “Captain Slow” James May testou um Jaguar modificado pela Knowles-Wilkins (modificado apenas a nível da mecânica, já que o exterior é fielmente mantido no seu formato original) num episódio de “Top Gear” e ficou tão impressionado que acabou por viajar por grande parte da França num destes modelos.
Mas regressando aos “achievements” da época, enquanto que marcas como a Ferrari e a Porsche criavam concept cars como o Modulo e o Tapiro (com a sua senhora do bikini de leopardo...) que aparentavam ser fugitivos das melhores séries de ficção científica da época, outros construtores apostaram no luxo e os resultados foram (e são) algo de absolutamente genial. Consideremos 3 casos distintos, começando pelo epítome britânico da excelência automóvel, a Aston Martin.

Em 1976 a situação financeira da Aston Martin era crítica, alias não só esta companhia, mas toda a indústria relacionada com o ramo automóvel atravessou em Inglaterra uma crise altamente debilitante ao longo dos anos 70; Então, num acto que pode ser unicamente descrito como loucura absoluta sob todos os prismas possíveis, a Aston Martin choca o mundo com o seu Lagonda. A conjuntura debilitante anteriormente mencionada deveria ter restringido este automóvel a algo fiável, completamente afastado de tudo o que fosse considerado de risco mas não, em vez disso, apresentaram aquele que é sem réstia de dúvida um dos automóveis mais insanes de todos os tempos. Por mais simples que pareça, cada vez que eu olho para o Lagonda vejo algo de diferente, pois ele próprio é diferente de tudo o que existiu até ao seu nascimento e de tudo o que surgiu depois, portanto bravo Mr. William Towns, excelente mês empregue na concepção do design.
Mesmo que todo o “drama” exterior dos seus mais de 5 metros de comprimento e 2 de largura (mais de duas toneladas...) seja ultrapassado, o interior continua a loucura com uma aparentemente infindável sucessão de luzes e painéis sensíveis ao toque que além de desorientarem qualquer dono de um Lagonda, nunca funcionaram realmente como deveriam. Recorrendo uma vez mais à orientação de James May, este afirmou ao testar um destes automóveis em 2003 que o orçamento total para o desenvolvimento do veículo foi excedido em 400% e esse dinheiro foi apenas empregue para conseguir pôr a parte electrónica a funcionar, algo que como já mencionei, nunca veio a acontecer, fazendo com que o primeiro Lagonda a ser entregue tenha chegado ás mãos do seu proprietário com mais de um ano de atraso em relação ao previsto e por causa da questão da electrónica, não podia sequer ser conduzido...E qual o preço por todo este devaneio da Aston Martin? 50 mil libras na época, o que se traduz em mais de 200 mil euros em valores actuais.
Em relação a prestações, o Lagonda conta com um motor V8 de 280 cavalos que o impulsiona dos 0 aos 100 em 7.9 segundos, culminando numa velocidade máxima respeitável de mais de 230 quilómetros por hora.
Apesar de tudo, este Aston singular manteve-se em produção durante 12 anos, no entanto, ao longo deste período e apesar de terem existido 4 séries distintas deste modelo (com alterações pouco consideráveis ao aspecto exterior e algumas adições em termos de equipamento), apenas 645 Lagondas foram construídos. Actualmente um destes modelos em estado considerado razoável custará algo como 20 mil euros (talvez menos), contanto é claro que mais do dobro desse valor vai ter de ser investido para adaptar o automóvel de modo que seja realmente...utilizável. Então porquê comprar um Lagonda? Que fascínio pode possívelmente este veículo exercer? Para estas questões existem variadíssimas respostas, mas procurando constatar apenas o essencial, não posso deixar de afirmar que o Lagonda é algo que se aproxima do hipnótico, pois mesmo conhecendo as suas limitações, é quase impossível não gostar da sua forma, do seu estilo, da sua presença e talvez o mais importante de tudo, do seu ideal. Sempre que alguém olha para um Lagonda, está a contemplar mais que um veículo, está realmente perante um ideal que tomou forma física, algo que existe quando o propósito da sua existência vai para além da razão e posso honestamente confirmar que existem poucas coisas no mundo acerca das quais possa ser feita uma afirmação desta natureza.
Estranho? Com certeza. Imprático? Dificilmente algo o superará. Problemático? Em todos os aspectos. Um ícone? Sem sombra de dúvida, provando que houve algures ao longo dos anos 70 verdadeira inspiração e arrojo. O Lagonda é mais que um longo (longuíssimo) automóvel de luxo, é estilo indomado sobre quatro rodas, é uma afirmação estridente de que as circunstâncias por mais restritivas que sejam podem sempre ser ultrapassados e o resultado de tal accão será certamente lembrado. No entanto, é o modo de como esta lembrança virá a transparecer que é uma incógnita. É por isso que antes de avançar, não posso deixar de expressar a minha profunda desilusão quando encontrei o Lagonda na lista dos 50 piores automóveis de sempre da revista “Times”, rótulo injusto que só vem afirmar mais uma vez que fracos juízos de valor permanecem quando alguém se recusa a negar o facilitismo e olhar para além do óbvio.


Num ângulo completamente diferente da história dos mais luxuosos automóveis dos anos 70, a Maserati passou exactamente pelo contrário do que se sucedeu com a Aston Martin; O Quattroporte III dominou 60% das vendas totais da marca italiana após uma aposta arrojada do novo dono da Maserati, Alessandro De Tomaso (o brilhante Alessandro De Tomaso que nos ofereceu os míticos Mangusta e Pantera e que tomou controlo da companhia após esta ter sido abandonada pela Citroen) na continuação deste modelo, providenciando novos designs e equipamentos que levassem o Quattroporte a rivalizar com as criações dos grandes construtores alemães e ingleses de automóveis de luxo como a Mercedes Benz e a Jaguar. O Quattroporte III, ou como deveria ser correctamente designado AM 330 Berlina Quattroporte, colocou a Maserati no topo em relação ao design e ao luxo. Idealizado pelo lendário designer automóvel Giorgetto Giugiaro, o Quattroporte III estava muitíssimo bem adaptado à realidade do seu tempo, até já se encontrava equipado com pára-choques adequados aos regulamentos dos Estados Unidos da América, algo que na maioria dos restantes modelos da mesma natureza de outras marcas, obrigava a adaptações pouco cuidadas que acabavam por estragar por completo o look e personalidade do automóvel. Também os sistemas de carácter “duvidoso”, nomeadamente a hidráulica, foram abandonados, contando o automóvel com equipamentos convencionais considerávelmente mais fiáveis em todas as vertentes, desde a suspensão, passando pelos travões e pela caixa de velocidades manual da Chrysler que, de acordo com Simon Park da “Auto Itália Magazine”, providencia uma troca de mudanças tão suave que faz parecer mal qualquer caixa automática existente na actualidade.
Os interiores eram tudo o que seria de esperar de um grande automóvel de luxo deste período, repletos de pele e aplicações em madeira, contando também com o tejadilho forrado a veludo e volante coberto com uma pele especial semelhante à utilizada nas clássicas luvas de condução. O equipamento era bastante vasto, não faltando obviamente o ar condicionado e os bancos anatomicamente correctos, sendo toda a informação relevante à condução apresentada num discreto e minimalista painel de instrumentos. Em relação á motorização, o Quattroporte III estava equipado com motor V8 de 4.2 (existia igualmente o 4.9) litros com 250 cavalos de potência, permitindo uma velocidade máxima na casa dos 250 quilómetros por hora.
Como já foi mencionado, o Quattroporte III foi um caso de sucesso, talvez pelo carácter intemporal do seu design que, paradoxalmente, em toda sua simplicidade implicava um ideal inegável de exclusividade. Assim, várias versões deste modelo foram produzidas muito depois do fim da década de 70, entre as quais encontravam-se uma limousine de mais de 5,5 metros e a partir de 1986 o Royale, uma versão ligeiramente distinta a nível de exteriores do Quattroporte III, mas com um equipamento interior vastamente mais completo e mais exclusivo que incluía por exemplo, um relógio com aplicações em ouro.
No total, 1876 destes magníficos Quattroporte III foram construídos à mão entre 1979 e 1988, 1821 Quattroportes e 21 Royales (construídos unicamente sob encomenda específica), ajudando a Maserati a manter uma reputação considerável num período em que (como já tive a oportunidade de mencionar) os riscos nem sempre implicaram resultados. Alessandro De Tomaso soube habilmente negar as excentricidades da época e manter-se fiel às reais necessidades dos seus clientes, apadrinhando assim um automóvel exclusivo, belo e que impressiona ainda pelos padrões actuais, algo que não é de todo comum à vasta maioria dos modelos da mesma natureza deste período.


Como se sabe que um automóvel é verdadeiramente exclusivo? Bem, existem várias maneiras de atribuir o título de exclusividade a um determinado veículo, entre as quais uma produção tão limitada que nem se sabe exactamente quantos foram realmente construídos é certamente uma delas; Este é o caso do Monteverdi 375/4.
O Suíço Peter Monteverdi era um piloto automóvel bem sucedido e jovem; Na casa dos 20, fundou a equipa Monteverdi Binningen Motors com a qual competiu até que um acidente violento o obrigou a abandonar o mundo da competição. Desejando manter a ligação ao mundo dos automóveis, Monteverdi fez carreira como distribuidor de automóveis de luxo para marcas como a Rolls-Royce e a Ferrari, até que um desentendimento com Enzo Ferrari levou Peter a criar o seu próprio automóvel desportivo (o mesmo acontecera com Ferruccio Lamborghini que criou a sua companhia após Enzo Ferrari o ter ofendido...). Assim, em 1967 Peter Monteverdi apresenta o seu 375 S High Speed, iniciando a produção de uma série de impressionantes automóveis desportivos.
Em 1971, Monteverdi decide dar vida à sua criação mais exclusiva de sempre: nascia então o 375/4, um veículo imponente, luxuoso e caro, muito caro. A maior parte dos 375/4 foram arrebatados por compradores abastados do médio oriente, a família real do Qatar terá adquirido 5 dos 28 que terão sido construídos (esta é apenas uma estimativa, pois não existe um valor real de produção. Autores como Martin Buckley restringem este valor considerávelmente; Buckley menciona na sua obra “Cars of the super rich - The opulent, the original and the outrageous” que a produção se limitou a 7 unidades).
Propulsionado por um Chrysler V8 440 Magnun de 7.2L com cerca de 375 cavalos, este titã de quase cinco metros e meio de comprimento e mais de 1600 toneladas de peso alcançava mais de 230 quilómetros hora, mantendo-se estável graças aos seus eficientes travões (com discos ventilados) e à sua elaborada suspensão composta por múltiplos elementos ajustáveis da companhia de renome Koni. A caixa de velocidades era automática e possuía apenas 3 velocidades.
Fruto dos ideais de Peter Monteverdi e do aclamado designer Piero Fissura, o 375/4 é impressionante em todos os aspectos; Para além do exterior deslumbrante e marcante que se distingue de qualquer outro automóvel até hoje construído, no interior o luxo dominava todos os sentidos, não esqueçamos, ter ar condicionado era algo comum em grandes automóveis de luxo nos anos 70, mas uma TV incorporada levava luxo a outro nível. Originalmente intencionados para serem vendidos ao governo Suíço, os 375/4 foram deixados para trás (para grande perda deste governo) em favor dos mais comuns Mercedes-Benz que já possuía.
O 375/4 era sem dúvida algo à parte, muito acima de toda a restante competição, tornou-se num dos mais caros e rápidos sedans de luxo da sua era, fazendo as delícias dos seus proprietários abastados. Actualmente o público pode desfrutar de 4 destes modelos ao visitar o museu Monteverdi em Binningen, na Suíça. Peter Monteverdi faleceu em 1998 e apesar da glória dos seus modelos dos anos 60 e 70 terem caído por terra nas décadas seguintes em que se limitou ao comércio e transformações de Chryslers e Range Rovers, o 375/4 ficará para sempre estabelecido como o pico dos grandes sedans luxuosos da era de 70, a expressão máxima da ambição que um automóvel poderia possívelmente representar.

O que nos podem ensinar na actualidade estes 3 modelos particulares? Podemos através deles reconhecer os anos 70 como uma era de ideias e de aspirações, demonstrando que nem todos os automóveis deste período nasceram limitados e insípidos como normalmente os consideramos. O Lagonda foi um momento de insanidade calculada que para o melhor ou pior, continua único; o Quattroporte demonstrou que a qualidade podia coexistir com o estilo; E o 375/4 prova que grandes automóveis e modelos lendários podem surgir de qualquer ponto sob qualquer circunstância.
Adoraria ser proprietário de qualquer um dos automóveis acima mencionados, pois todos têm algo único, histórias ou características que os tornam especiais e um automóvel especial é algo difícil de encontrar actualmente, particularmente no segmento dos grandes veículos de luxo que sofre com falta de inspiração crónica e indisposição de correr riscos, pois quando observamos estes 3 automóveis, compreendemos que cada um deles foi de facto um risco, mas todos têm a sua grandeza inegável, o que leva inevitávelmente à conclusão de que nada de verdadeiramente significativo será criado se as fórmulas não forem modificadas e refeitas, se moldes não forem quebrados. Parece que a década de 70 pode (e deve) ensinar algo à actualidade; A realidade é dura, mas o mundo apenas de concept cars e boas intenções não pode possívelmente vingar.

Fontes Consultadas:
http://www.astonmartinlagonda.net/
http://www.bdmcarcollection.com/Monteverdi3754.html
http://www.classicandperformancecar.com/front_website/octane_interact/carspecs.php/?see=1981
http://www.classicdriver.com/uk/magazine/3200.asp?id=13112
http://www.italiancar.com.au/site/cars/maserati/models/MasQT3/MasQT3.html
http://www.kwecars.com/index.php
http://www.madle.org/emontemus.htm
http://www.maserati-alfieri.co.uk/alfieri65b.htm
http://www.motorbase.com/vehicle/by-id/1840486809/
http://www.netcarshow.com/aston_martin/1976-lagonda/
http://www.time.com/time/specials/2007/article/0,28804,1658545_1658533_1658041,00.html
http://www.wheelsofitaly.com/wiki/index.php/Maserati_Quattroporte
http://auto.howstuffworks.com/1976-1990-lagonda.htm/printable
http://books.google.pt/books?id=4Cvq4NggsUkC&pg=PA176&lpg=PA176&dq=375/4+limousine&source=bl&ots=I5LwxhVEMY&sig=fg2afEz_cBco0oVc1VX8u80fnKQ&hl=pt-PT&ei=1sBxSqa1GNufjAf5w5SODA&sa=X&oi=book_result&ct=result&resnum=5
http://en.wikipedia.org/wiki/Monteverdi_(car)
http://quattroporte.online.fr/qp3.htm

Imagens utilizadas:
Aston Martin:
http://www.astonmartinlagondas.com/zoran.htm

Maserati:
http://www.ultimatecarpage.com/forum/classic-cars/16218-maserati-quattroporte-iii-classic-not.html

DeTomaso:
http://news.caradisiac.com/Concours-d-Elegance-Villa-d-Este-quelques-raretes-408

Vídeos recomendados:
http://www.youtube.com/watch?v=osrks1t-5a4&hl=pt-PT


Creative Commons License
Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons.